sábado, 4 de abril de 2009

Noves fora

Um beijo de leve a acordou, interrompendo o sono tranqüilo que experimentava já nas primeiras horas da manhã. Era ele que continuava ali, do outro lado da cama. Trazia um lindo sorriso nos lábios, mas os olhos denunciavam a angústia de uma noite em claro, mesmo estando ao lado de seu maior desejo, o desejo de tantos anos...
De propósito, ela apenas sorriu e voltou a fechar os olhos. Tudo estava confuso. A cabeça, recostada a um travesseiro que não usava habitualmente - é, ele se esquecera de que ela dormia sempre sem travesseiro – doía, pesava, rodava. Talvez precisasse de mais uma dose para se equilibrar entre tantos sentimentos contraditórios, ambíguos, desconexos. Qualquer coisa. Uísque, vodca, tequila, licor, gim, cachaça! Qualquer paliativo que tornasse aquele momento menos sofrido, doloroso, indigesto, seria muito bem vindo! Mas o que se via à frente era um lindo café da manhã: suco, leite, biscoitos amanteigados, uma fatia de queijo, café, torradas, e uma flor a ornamentar aqueles longos minutos tão repletos de espinhos. Para seu desespero, nada de álcool!
Não precisava se vestir. Ainda estava vestida. Sentou-se à cama, arrumou os cabelos, passou as mãos pela blusa na tentativa de desamarrotá-la, e lentamente percorreu com os olhos cada detalhe daquele quarto que já conhecia tão bem. O quadro à parede era o mesmo, abstrato, em tons de dourado e de salmão. A cama era a mesma, confortável, grande, quadrada. O closet era o mesmo. As paredes ainda mantinham o mesmo tom. Ele era o mesmo. Então, o que mudara?
Ele continuava inerte, à espera de alguma palavra, algum gesto, algum carinho, alguma explicação. Sua impaciência contrastava com o olhar perdido dela, que não se fixava em ponto algum. O silêncio era tão perturbador que nenhum dos dois conseguia sequer deixar escapar por entre os lábios um mero bom dia.
Subitamente, como se saísse de um estado hipnótico, ela calçou os sapatos, levantou-se e, a passos lentos, caminhou até a poltrona onde deixara sua bolsa. Tomou em mãos a chave do carro, observou sua imagem ao espelho, voltou-se para ele, olhou-o nos olhos, deu-lhe um beijo à face, e saiu. Dessa vez não batera a porta como já fizera outras tantas. Muito ao contrário, fechou-a com tanto cuidado que nenhum som se ouviu propagar naquele corredor que já fora palco de tórridas cenas de paixão ou de total descontrole emocional, como já diziam alguns. O fato é que ela não tinha mais o direito de machucar quem lá dentro ficara.
Nada naquele apartamento mudou. Nada naquele corredor mudou. Nada nele mudou. Mas ela já não era mais a mesma. E isso era motivo suficiente para não mais voltar aos braços daquele que um dia ela tanto amara...

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