sábado, 4 de abril de 2009

Minuit

Onze e meia. Melhor, vinte três horas e trinta minutos. Ela ainda não estava pronta. Sempre fora assim. Não se dava bem com o tique-taque do relógio. Se fosse necessário estar pronta às vinte horas, marcava as dezenove. Ainda assim, os cinco minutos a mais eram sagrados. Vivia em descompasso, mas era assim que vivia. Bem, estava quase pronta. Apenas faltava-lhe alguma coisa. Só não sabia o que era. Cabelos soltos, macios. Corpo desenhado por um vestido que lhe deixava os seios livres, ligeiramente excitados com o toque e a leveza do tecido. Salto alto. Olhos marcantes. Boca desenhada. Um anel apenas. Era assim que gostava. Um anel, uma pulseira. Brincos, sim. Os brincos eram maiores. Perfume. Claro, perfume. Volta e meia ao espelho, e ela se depara com a imagem dele logo atrás. Toda a cena tinha sido minuciosamente acompanhada por ele. Desde o início, há muito tempo ele a observava. Carinhosa, ela o abraça. Sente um misto de saudade, tristeza, não entende bem o que é. Não diz nada. Só o abraça. Impossível não recordar. As cartas ainda estavam sobre a cama, as fotos também. Por pouco não se desfizera de tudo que viveram. Por pouco não queimara todas as lembranças, os bilhetinhos, as juras, as promessas! Não fosse aquele olhar, não fosse aquele abraço... Muitas vezes pensara nisso. Em devolver tudo. Em queimar tudo. Em doar tudo. Nunca tivera coragem para tanto. Não eram as fotos que incomodavam, não eram as cartas que machucavam. Era o que não saía da memória que feria, apertava, sufocava. Não adiantava se desfazer do que o coração ainda sentia. E o relógio continuava a trabalhar. Então, devagarzinho ela o deixa. Afasta-se um pouco, se recompõe, e ele fica ali, com o mesmo olhar de sempre. Anda mais alguns passos, e à saída de casa ainda sente que lhe falta alguma coisa. Volta ao quarto, olha-se ao espelho pela última vez, dirige-se até onde ele continua, dá-lhe um beijo de boa noite, e abaixa o porta-retrato. Pronto. Agora não faltava mais nada. Meia-noite. Já era um novo dia. Era hora de sair...

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